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Joanna Ribas, a figurinista de ‘Perdida’, contou todos os segredos do filme

Em um papo super interessante sobre figurinos, produção e vivências, conversamos com a figurinista Joanna Ribas para saber todos os detalhes por trás das roupas do novo filme nacional “Perdida“. Inspirado no best-seller de Carina Rissi, a produção gira em torno de Sofia (Giovanna Grigio), uma jovem moderna e independente, cujo coração é dedicado exclusivamente aos romances literários de Jane Austen. Contudo, após usar um celular emprestado, algo misterioso acontece, transportando-a para um mundo que remete ao século XIX. Recebida pela família do encantador Ian Clarke (Bruno Montaleone), Sofia embarca em uma jornada para encontrar uma maneira de retornar à sua vida. No entanto, surpreendentemente, seu coração parece ter outros planos.

Abaixo, Joanna divide conosco mais sobre as aventuras de construir um figurino tão grande e os desafios de contar histórias através de roupas. Portanto, se você é fã da história, continue lendo para descobrir tudo! O filme já está disponível no Star+ e na Disney também.

Como é que foi quando te ofereceram esse projeto? E você recebeu o roteiro e se deu conta que ia ter todas essas… a palavra que acho que eu vou usar são “vertentes”, né, de figurino pra trabalhar?

J.R: Acho que, para um figurinista, este é um projeto dos sonhos! Primeiramente, no Brasil, temos muito poucas oportunidades de realizar um filme que abrange o século 19 e se estende até a atualidade, onde a comunicação ocorre de maneira geral. Quando lemos o roteiro pela primeira vez, nos deparamos com uma controvérsia que precisávamos resolver. O filme se passaria em 1949 ou 1953, pequenas diferenças de datas, mas períodos em que a moda era distinta. Não estávamos mais na era do romantismo, mas tratávamos do universo de Jane Austen, e era inevitável não abordar os anos de 1820 e 1830. Portanto, tivemos várias reuniões entre a direção, a direção de arte e o figurino para entender como poderíamos situar a história. Chegamos à conclusão de que era melhor ambientar o filme no período do romantismo de Jane Austen.

E isso é maravilhoso, não é mesmo? Não estamos lidando com a era das crinolinas ou de Maria Antonieta, que é uma época muito mais exuberante, com roupas volumosas. O romantismo, por outro lado, é ricamente representado nas roupas. Ao mesmo tempo, é um grande desafio, pois, ao vermos essas roupas vestidas, podemos pensar que são simples, mas não são. Elas têm várias camadas usadas por baixo para criar essa estrutura. Assim, enfrentamos o desafio de aplicar inúmeras camadas para dar vida a esses personagens. Para mim, como figurinista, é crucial proporcionar a base para que o ator possa incorporar plenamente o personagem. Essa base começa nos sapatos e nos espartilhos, elementos que podem passar despercebidos pelo espectador, mas que moldam o corpo e transportam as atrizes para outra época.

Como é que foi criar todo esse acervo de peças? Porque são vários personagens, não é? E isso envolve o desenho, a criação, confecção! Como foi esse processo?

J.R: Acredito que o grande desafio desse trabalho tenha sido único. Cada projeto que abraçamos nos leva a criar um desenho de produção distinto. Quando digo que minha produção é criativa, não me refiro apenas à criação das roupas, mas à necessidade de compreender o local de produção e a origem dos tecidos. Por exemplo, enfrentamos uma crise significativa dos tecidos naturais atualmente, e, adicionalmente, o Brasil tinha uma oferta limitada de roupas. Então depois de muita pesquisa, chegamos a conclusão de que valeria a pena ir para a Europa produzir esse figurino.  

Assim, visitei dois acervos em Madrid, onde obtive grande parte do figurino, incluindo peças do acervo de ‘Bridgerton’, por exemplo. Contudo, estávamos trabalhando em uma produção brasileira, não espanhola. Ao trazer essas roupas, utilizei-as como base e criei “sobrevestes” para complementá-las. Surpreendentemente, nosso maior desafio não era vestir o elenco. Muitos itens do acervo do personagem “Ian”, como os sapatos, foram confeccionados em Madrid. No entanto, a figuração em si era o verdadeiro desafio. Enfrentamos questões como orçamento, por exemplo. Assim, as mesmas peças usadas em cenas de teatro eram reaproveitadas no baile, transformadas em novos looks. E assim a gente foi desenhando esse figurino e criando vestidos inéditos. 

Foto: Elenco do filme “Perdida” (Reprodução/Instagram)

Para mim, não faz sentido adquirir constantemente peças novas; a verdadeira essência está na transformação”.

Acho importante destacar que, no meu papel como figurinista, faço muito o uso de peças de acervo. O conceito de “upcycling” é central no meu trabalho e faz todo sentido no mundo da moda! Para mim, não faz sentido adquirir constantemente peças novas; a verdadeira essência está na transformação. Um exemplo disso é o uso de rendas em “Perdida”, que, por sinal, provêm de panos de prato encontrados em feiras de antiguidades. E a camisa que o Ian usa, veio de um lençol dos anos 50 que eu encontrei aqui em um brechó do Rio de Janeiro, então é um material que já tem uma vivência, sabe? A partir disso, fomos acumulando materiais e as criações foram tomando forma de maneira orgânica.

Deixa eu aproveitar para perguntar, porque eu fiquei muito curiosa, rs. Qual foi a coisa mais inusitada que você teve que usar para montar algum dos looks?

J.R: O vestido usado por Giovanna, a atriz que interpreta a personagem “Sofia” no filme, durante a cena no teatro é verdadeiramente fascinante! Ele é feito de milhões de coisas completamente distintas, incluindo uma barra que, na verdade, o espectador mal percebe, mas que era a gola de um vestido dos anos 60. Em meu ateliê, tínhamos uma caixa que  chamávamos de “a caixa das maravilhas” onde encontrávamos itens surpreendentes. Então, quando a gente precisava de algo, a gente corria lá e assim os personagens iam surgindo, dessa forma linda e orgânica. 

Elenco do filme

Foto: Elenco do filme “Perdida” (Reprodução/Instagram)

E deve ser muito divertido trabalhar, né? Porque é quase um quebra-cabeça pela forma que você está falando! Quantas pessoas compõe a equipe que montam esse figurino?

J.R: Olha, nesse filme eu optei por ter uma costureira e uma bordadeira na base que ficaram comigo durante todo o processo. Além delas, contei com cinco assistentes para cuidar da figuração e do elenco. Apesar de poder parecer o contrário, não era uma equipe numerosa, considerando o tamanho e os desafios envolvidos na produção do filme.

Giovanna Grigio - vestido de época dourado - Perdida - primavera - mulher andando a cavalo para filmagem do filme nacional

Foto: Giovanna Grigio (Reprodução/Instagram)

Uma curiosidade é que o vestido usado por Giovanna na cena do baile, um vestido icônico de plumas, foi totalmente feito à mão e projetado fora dos padrões da modelagem da época. Optamos por trazê-lo como um vestido “avant-garde” para o filme. A diretora expressou o desejo de vê-la “flutuando” enquanto descia as escadas, inspirando-me a buscar tecidos leves. Assim, o vestido foi meticulosamente construído, pena por pena, no estilo da alta-costura. Essa peça única foi usada em diversas situações, como andar a cavalo, enfrentar a chuva e dançar no baile. O vestido foi usado para ela andar a cavalo, na chuva, no baile e a equipe sempre com o coração na mão para saber se ele iria durar, rs. 

Aprendi que, como figurinista, precisamos ser um pouco antropólogos e um pouco psicólogos. Não estamos apenas lidando com criação”.

Bruno Montaleone e Giovanna Grigio - Roupas de época - Perdida - inverno - casal dançando de mãos dadas - https://stealthelook.com.br

Foto: Bruno Montaleone e Giovanna Grigio (Reprodução/Instagram)

E uma pergunta que eu sempre gosto de fazer para os figurinistas que eu converso, pois eu gosto de ouvir as versões. Qual é a diferença entre criar um look para a moda e criar um look para um figurino? Como é que você classifica isso?

J.R: Eu acredito que existem diversas “modas”, não é mesmo? Há a moda comercial, a dos desfiles, onde a liberdade é muito maior do que no comércio, por exemplo. Na minha perspectiva, criar figurinos é baseado em informações psicológicas. Uma das partes mais gratificantes de trabalhar com figurino é explorar a psicologia por trás dos personagens, fornecendo-lhes essa base. Temos uma liberdade muito maior, embora, é claro, ao fazer um filme sobre a ditadura, por exemplo, estamos lidando com um realismo que exige a autenticidade da época.

Aprendi que, como figurinista, precisamos ser um pouco antropólogos e um pouco psicólogos. Não estamos apenas lidando com criação. É crucial considerar onde o personagem vive, o que está passando e qual é a mensagem que queremos transmitir ao espectador. Portanto, é necessário ter um entendimento profundo da história global para vestir o personagem de maneira autêntica e transmitir uma verdade. São elementos que o espectador pode não perceber conscientemente ao assistir a uma obra audiovisual, mas quando isso acontece, é sinal de um trabalho bem feito.

Para você, quais são esses filmes que trabalham muito bem o figurino? Onde eles praticamente são os personagens principais? 

J.R: Essa você me pegou, preciso pensar, rs. Mas eu adoro o filme brasileiro “Madame Satã”, o figurino é belíssimo. Eu também adoro o figurino de “Duna” que é modernista e interessantíssimo. E claro, quando a gente olha para a Disney é enlouquecedor, né? “Cinderela” é lindo, “A Bela Adormecida” é deslumbrante. E para mim, o clássico “Bonequinha de Luxo” é icônico. Quando você olha para os filmes do Hitchcock também é incrível, como o “Laranja Mecânica”, é uma lista tão extensa que é difícil! Eu gosto mais de olhar para o passado.

No começo da entrevista você citou que foi um dos seus primeiros filmes de época, então que tipos de filme você quer trabalhar daqui para frente? Qual é o seu grande sonho? 

J.R: Acho que fazer mais filmes de época seria incrível. Se eu puder realizar mais filmes de fantasia, seria ótimo. Além disso, tive o prazer de trabalhar em outro figurino com a diretora do filme, que trata-se de um filme de vampiro. Acabamos de filmar há cerca de um mês, e foi extremamente interessante, pois envolvia personagens que viveram desde o Egito antigo. Pensar em como trazer essa ambientação para as roupas foi desafiador, sabe? Além disso, vou participar da produção de uma distopia no início do próximo ano, o que também promete ser incrível.

Você também fez um dos filmes da Xuxa, né? “Um Sonho de Menina”. Como é que é vestir a “rainha dos baixinhos”? 

J.R: Foi a realização de um sonho, já que sou dos anos 80! Eu entrei na “casa rosa”, visitei o acervo dela e até vesti a roupa de paquita, rs. Apesar de ser um filme bastante realista e mais simples, estar perto da Xuxa e compreender a visão dela sobre o showbusiness foi extremamente enriquecedor, um presente incrível. No geral, o filme não apresentou grandes desafios, já que ela usava apenas uma roupa, e trabalhamos em colaboração com a figurinista dela da Globo. Contudo, o simples fato de ter acesso ao acervo dela já foi a realização de um grande sonho já que ela foi muito importante para a moda nos anos 80.

Para fechar, quais são as eras da moda que mais te inspiram?

J.R: Eu amo a liberdade que temos nos anos 70, embora eu ache essa uma das épocas mais desafiadoras para trabalhar, pois muitas vezes beira o caricato. Também sou completamente apaixonada pelos anos 40, e mesmo que eu tenha trabalhado em um filme de época, não tinha tanta afinidade anteriormente. No entanto, compreender como as mulheres se vestiam nessa época foi um dos meus grandes prazeres.

O artigo Joanna Ribas, a figurinista de ‘Perdida’, contou todos os segredos do filme foi publicado pelo Steal The Look.

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