Os maiores influenciadores de moda e lifestyle do Brasil

Maria Grazia Chiuri, da Dior e Maripol juntas em momento único

STEFANO TONCHI Você frequentemente colaborou com Maripol, mas nunca antes de forma tão próxima. Como vocês se conheceram e como surgiu essa coleção?

MARIA GRAZIA CHIURI Eu era obcecada por Maripol. Tinha todos os seus livros. Queria conhecê-la desde minha época na Valentino. Quando cheguei em Nova York, meu único objetivo era me encontrar com ela, mas não sabia como. Por sorte, em um jantar com Blondie (Deborah Harry), em que falava sobre minha paixão pela Fiorucci, por Maripol e por suas roupas, ela me disse: “Maripol é minha amiga!”, e ligou para ela imediatamente. Falamos por telefone e nos encontramos logo no dia seguinte. Eu era uma superfã. Ela era uma grande referência para mim.

MARIPOL Você está certa, bem no dia seguinte! Em um prédio da Te Factory de Andy Warhol.

MGC Eu era fascinada pela Te Factory. Encontramos um espaço para fazer uma apresentação lá, e meu sonho era poder contar com as fotos de Maripol. Então, eu a convidei e, enquanto mostrava o lugar, sugeri que ela fotografasse com a Polaroid.
ST Maripol, o que você pensou quando recebeu essa ligação?

M Elas me ligaram no meio da noite. Falei com Maria Grazia e, no dia seguinte, a primeira coisa que ela fez foi me abraçar. Nem vou contar a vocês todas as nossas aventuras, de Paris, da tensão de um desfile de alta-costura…

MGC Maripol foi a primeira a saber que estava deixando a Valentino. Eu a chamei e disse: “Preciso de um retrato oficial. Ninguém sabe, você é a única que pode fazer essas fotos. Tem de vir a Paris imediatamente”.

M Lembro de ter tirado as fotos dela e logo depois peguei um voo para Tóquio. Tinha um vernissage de uma exposição no dia seguinte!
ST Voltando a essa coleção, houve algum momento do qual você se lembra com emoção?

M Quando Maria Grazia me chamou em setembro, ela estava preparando a coleção primavera/verão 2021. Ao chegar ao novo escritório, vi que estava com o livro da Fiorucci nas mãos e com um brilho particular nos olhos. “Vamos fazer uma coleção, juntas, inspirada por eles”, ela disse. Eu não fotografei as roupas mas, sim, a beleza. Foi a primeira vez que fotografei a beleza para a Dior. Depois, eles me chamaram novamente em dezembro. O projeto inicial não era um lookbook, apenas precisava tirar minhas fotos. Durante o shooting, Maria Grazia viu todas elas e gostou tanto que decidiu que eu poderia também fazer o lookbook. “Maripol tem alma, suas fotos são frescas e enérgicas”, ela disse. Eu realmente gostei de trabalhar com ela. Sei que é uma lutadora e teve de lutar por essa coleção, porque ia usar “novos” materiais para Dior, como plástico e lantejoulas. E as fotos deveriam retratar isso. Tirei tantas Polaroids que o chão do estúdio estava coberto delas. Quando cheguei em casa, recebi o convite para fotografar a campanha digital também.

ST Vamos falar sobre a coleção da Dior pré-outono 2021, que foi lançada em Xangai. Ela é de fato especial. Tem tantos elementos que não fazem parte de seus códigos, Maria Grazia – cores como verde cítrico e laranja, estampas de animal, espelhos –, que não se esperava de um clássico Dior.

MGC A coleção nasceu em um momento muito específico em nossa vida. Fomos todos influenciados pela pandemia e passamos a ver a moda com desencanto. Pessoalmente, antes de mais nada, precisei me lembrar do motivo pelo qual me apaixonei pelo mundo da moda. Olhei o universo fashion de anos atrás – especialmente durante a época pop –, quando meus primeiros contatos com a indústria aconteceram graças à Fiorucci, em Milão. Eu era uma jovem curiosa, vivendo um período de grandes mudanças e novidades. A loja da Fiorucci, em Milão, era a única diferente de todo o resto… Eles tinham jeans americanos, jaquetas militares e uma inigualável seleção de peças vintage. Quando vi essa enorme seleção, foi como se tivesse entrado em uma galeria de um explorador que trouxe objetos de um mundo totalmente desconhecido. Essa coleção teve por objetivo mexer com as lembranças, a descoberta, o prazer e a diversão. Ela mostra por que a moda é muito mais do que é descrita nos dias de hoje. É uma forma de se exprimir, um modo de viver.

 
Esta coleção MOSTRA POR QUE A moda é muito mais DO QUE É descrita NOS DIAS DE HOJE. É UMA forma de se expressar, UM MODO DE VIVER. MARIA GRAZIA CHIURI ST Você acha que essas lojas ainda têm algo a nos ensinar?

MGC Claro! Elas representam uma experiência. Acredito que (Elio) Fiorucci não foi unicamente propulsor de grandes mudanças, como nas embalagens – ele foi o primeiro a fazer caixas para t-shirts –, mas experimentou muita coisa dique, hoje, marcas de luxo estão fazendo como se tivessem tido a ideia pela primeira vez. Do trabalho por trás dos logos, com artistas, ele era muito mais do que um vendedor de roupas.

M Realmente, brilhante.

MGC Não posso nem defini-lo como designer, seria um eufemismo.
ST Foi de fato um momento particular de nossa vida: minha, sua, de Maripol. Mas existia um underground e um sistema. A moda da Fiorucci não era a moda da Dior, por assim dizer. Como você conciliou sua Dior com o universo Fiorucci?

MGC Dior tinha uma presença naquela época, mas era de qual[1]quer forma inacessível para os jovens e passava uma cara de algo muito Velho Mundo. Tudo isso começou com minha reflexão sobre como as coisas mudam com o tempo, como os símbolos e seus significados evoluem. Há um foco na estampa de onça, que, para Dior, nos anos 1950, fazia referência a Mitzah Bricard. Com a Fiorucci, ela foi deformada e passou a fazer parte de uma linguagem bem pop. Também aconteceu o desejo pessoal da reapropriação da moda de uma maneira mais livre e divertida.

ST Maripol, como você encontrou Elio Fiorucci?

M Antes do Studio 54, tinha esse clube chamado Enchanted Garden. Tirei várias fotos lá. Quando frequentava esses clubes da moda, eu era jovem e não podia comprar grandes marcas, então fabricava minhas roupas e bijoux. Um dia, uma mulher, Mirabella, se aproximou de mim e me disse: “Quero 300 pares de brincos iguais aos seus para a Fiorucci”. Brincos que fiz a mão, e foi assim que a primeira coleção de bijoux começou. Elio costumava dizer: “Maripol e eu temos antenas. Somos os precursores do futuro”.
ELIO FIORUCCI COSTUMAVA DIZER: “Maripol e eu temos antenas. SOMOS OS PRECURSORES DO FUTURO”. MARIPOL ST Em que a Nova York dos dias de hoje é diferente daquela dos anos 1970? E por que você escolheu se mudar para Los Angeles?

M Não tenho a sensação que deixei Nova York definitivamente. Neste momento, com a pandemia, foi mais difícil me deslocar, mas geralmente fico entre as duas cidades. Na verdade, se tivesse de me mudar permanentemente, escolheria provavelmente uma cidade europeia. Maria Grazia diz que iria para Roma. A outra opção é Paris. Muitas coisas mudaram em Nova York dos anos 1970 e 1980 para cá – é um mundo completamente diferente. Quando cheguei a Nova York, a cidade estava falida. Você poderia fazer um trabalho por mês e conseguir pagar as despesas. Trabalhar no mundo artístico significava encontrar todos os personagens: artistas, escritores, diretores de cinema. Vivíamos à noite – tínhamos clubes, boates e festas. Agora, me diga um lugar onde tudo isso acontece com a mesma vitalidade.
ST Maria Grazia, vamos falar da Itália. O que você fazia por lá no início dos anos 1980?

MGC Estava em Florença! Com todos os nossos designers da região e pouquíssimo dinheiro. Mas nos divertíamos. Não tínhamos grana e éramos apaixonados por moda. É tão diferente agora que é quase indescritível. Foi um momento histórico radicalmente único. Não tínhamos nada e mesmo assim estávamos felizes.

ST Éramos famintos por novidades. Na época, existiam duas correntes importantes: punk e disco. À qual você pertencia?

MGC Sempre fui bem disco, mas admito que passei um tempo com Sergio Zambon (estilista). Um pouco punk – não tão extremo quanto Sergio –, mas durante um período só me vestia de preto. Era quase um uniforme. Em alguns aspectos, éramos um pouco ingênuos. Foi um processo de descobrimento. Lembro-me de uma viagem em particular para Londres, que fui vestida de um jeito e voltei de outro. Os pais de um amigo que estava comigo vieram nos pegar e não nos reconheceram.

ST De alguma forma essa coleção é uma volta ao passado? É o resultado da pandemia, de se estar fechado?

MGC É sobretudo porque me encontrei trabalhando com uma geração bem jovem. Em meu estúdio, todos têm entre 24 e 27 anos e possuem uma relação diferente com a moda. Às vezes, é complicado explicar para eles o passado. Claro que também é interessante observar como veem as coisas de um jeito tão diferente. Por outro lado, a relação com essa paixão é evidente. Fico um pouco perplexa – nós vivíamos para a aventura. As novas gerações sabem tudo, mas falta esse espírito intrépido que tínhamos.
ST O risco da descoberta.

MGC Exatamente! Eu viajo para ver certo material… A ideia de desenvolver uma coleção sem sair de um estúdio não pertence a minha geração.

M Isso foi exatamente o que Elio compreendeu! Um dia, ele me deu 2 mil dólares e uma passagem de avião de Nova York para Tóquio e Hong Kong, e tive de rodar por vários bairros em busca de matéria-prima para minhas criações.

MGC Viajei por toda a Toscana de carro em busca de artesãos, fornecedores… Foi muito enriquecedor. Acho que, a esta altura, conheço todos da Itália. É possível encontrar muitas pessoas interessantes, não apenas artesãos, mas verdadeiros artistas. Quando tentei fazer bolsas bordadas, parecia uma proposta absurda na época. Aqueles foram os anos da Prada e do náilon preto. Bolsas bordadas não estavam no radar das pessoas. Existia o desafio de criar algo. Às vezes éramos desencorajados apenas porque não se sabia por onde começar, mas tínhamos o espírito da moda e sorte. Agora é bem diferente, mas tento manter essa filosofia quanto puder.

ST É de fato um mundo a se experimentar. Em todos os campos, mesmo no jornalismo, você deve se atrever e tentar. Vamos falar sobre música agora. Durante os anos 1960 e 1970, ela ditava a moda. Hoje funciona de outra forma? É a moda que veste a música?

MGC Acredito que sempre houve uma conexão entre os dois uni – versos; tudo é interdisciplinar. Se devo ser franca e falar sobre talento, naqueles anos existiam pessoas mais criativas. Não é fácil criar um estilo. No fim, todo mundo copia os ícones da música, como David Bowie. A relação com a moda é muito superficial hoje. Imagina-se que isso pode ser feito facilmente.
ACREDITO QUE sempre HOUVE UMA CONEXÃO ENTRE A MÚSICA E A MODA; TUDO É INTERDISCIPLINAR. MARIA GRAZIA CHIURI ST Maripol, você trabalhou com vários músicos, incluindo seus looks, sua imagem – criou o look da Madonna para Like a Virgin. Você ainda poderia fazer isso hoje? O trabalho de personal stylist é o mesmo que costumava ser?

M Às vezes penso nisso porque, como estou em Hollywood, talvez devesse voltar para o styling. Mas logo mudo de ideia. Prefiro fotografar e filmar do que o styling. Posso dar conselhos, mas não poderia fazer novamente esse trabalho. Lembro um dia em que Cher veio a meu loft em Nova York, experimentou todas as minhas joias e se apaixonou – não é o mesmo trabalho. Se eu retornar novamente ao mundo da moda, gostaria de me tornar figurinista e não stylist.

MGC Você está falando sobre memórias icônicas, momentos loucos que começaram a partir de um relacionamento profundo. Maripol e Madonna se conheciam. Foi necessário se conectar com essa pessoa a fim de partilhar um projeto. Hoje, por conta dos inúmeros pedidos e do novo funcionamento do styling, não dividimos mais a experiência. É muito diferente.

M Acabei de chegar de um trabalho com Grace Jones, na Jamaica. Grace tem 70 anos e está lançando outro álbum. Ela é um ícone fashion. Gostaria de fazer um livro inspirado em sua persona e criar uma verdadeira coleção-cápsula inspirada nela.
ST Pode afirmar que, com essa coleção pré-outono 2021, você queria retornar ao passado? Para suas origens?

MGC Exatamente, origens! As coisas básicas que dão prazer na vida. Fala-se pouco sobre o prazer do corpo, mas é necessário. Dançar, escutar música, extravasar, fazer parte de uma comunidade… Essa é a ideia central de toda a coleção.

ST Gosto de sua ideia de ser uma mulher pragmática.

MGC Esta é uma comunidade, uma fábrica de mulheres artistas. Fazemos o que queremos fazer, sem medo do julgamento dos outros. Vida longa às mulheres!
ST Pode afirmar que, com essa coleção pré-outono 2021, você queria retornar ao passado? Para suas origens?

MGC Exatamente, origens! As coisas básicas que dão prazer na vida. Fala-se pouco sobre o prazer do corpo, mas é necessário. Dançar, escutar música, extravasar, fazer parte de uma comunidade… Essa é a ideia central de toda a coleção.

ST Gosto de sua ideia de ser uma mulher pragmática.

MGC Esta é uma comunidade, uma fábrica de mulheres artistas. Fazemos o que queremos fazer, sem medo do julgamento dos outros. Vida longa às mulheres!
FOTOS: Maripol.

MODELO: Graylen Eastwood.

CABELO: Ashlee Rose.

MAQUIAGEM: Sam Visser.

PRODUÇÃO: Annee Elliot.

ASSISTENTES DE FOTOGRAFIA: Tina Rosh e George Wolf.

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS: Budman Studio.

O artigo Maria Grazia Chiuri, da Dior e Maripol juntas em momento único foi publicado pelo L'Officiel Brasil.

+ Confira outros artigos na L'Officiel Brasil