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A moda para o novo mundo

Imagens de máscaras de segurança respiratória homemade que viralizaram nos grupos de WhatsApp

Imagens de máscaras de segurança respiratória homemade que viralizaram nos grupos de WhatsApp

Por Jackson Araujo

Posso estar em surto no meio de tantos acontecimentos, mensagens, dúvidas, higienização, mas acredito que esse definitivamente não é o momento para analistas de relevância de marcas e creators estarem a propor cursos e lives sobre um assunto completamente desconhecido e imprevisível, correndo o risco de se tornarem as pessoas mais anacrônicas da web. Confesso: paciência zero para estudos, previsões, aulinhas de relevância num momento que não sabemos nem quem estará vivo na próxima semana. Tudo tão novo e imprevisível e a galera fazendo defesa capitalista para salvar seu mundinho tecnocrata.

Olhemos ao redor: o mundo em franca mutação e você preocupado com engajamento e relevância?

Se até pra mim que já discutia essa quebra de linearidade nos velhos sistemas de produção, venda e consumo não está sendo fácil lidar com um futuro que será fruto das incertezas e instabilidades desse presente mutante, fico a pensar o que deve estar passando na cabeça dos gurus do capitalismo da internet que até semana passada se sentiam os donos do mundo e que agora estão tendo que lidar com a ideia de aquele mundo está morto e não existirá da mesma forma em nenhuma instância profissional ou pessoal.

Os sinais são claros: a hora é de recolhimento e observação. Cuidado individual para a cura do coletivo.

Se o termo marcas de moda já me soava anacrônico antes da chegada do primeiro episódio da última temporada de vida no planeta, agora então, só penso o quanto vai ser importante descermos todos de nossos pedestais opinativos sobre isso e aquilo, para reaprendermos que as pessoas– nos processos que porventura se configurem a partir de 2021, ou quando essa vacina surgir para nos tirar do loop infindável da quarentena/contaminação –têm valores e não preços.coronavirus

Você que está aí querendo ensinar sobre as incertezas agora postas seguindo cartilhas e manuais anacrônicos, já se perguntou qual a sua relevância hoje? Por essas e muitas outras é que convido à uma reflexão que tenho feito diariamente sobre uma bandeira onde já vinha me exercitando criativa e politicamente: a moda não é mais sobre roupas, mas sobre pessoas! E obviamente, o que está aqui posto são questionamentos e dúvidas surgidos ao longo de seis anos de estudos sobre Economia Afetiva e como tal, não são respostas, mas uma abertura ao diálogo de construção colaborativa para os desafios aqui apresentados.

A moda, como o velho mundo, está morta! Páre e pense sobre um possível novo mundo que se configura a partir desse presente instável. Estamos apenas vestindo roupas, proteções, confortos, aconchegos. Antes, lá fora, tudo era sobre o olhar do outro, do narcisismo e da vaidade, valores caros às estruturas capitalistas de exploração de corpos e do fortalecimento de estereótipos num “mundo de mercadorias, que associadas à publicidade, tornaram-se as verdadeiras proprietárias do corpo, ou ao menos de sua imagem sexualmente atraente”.

“Aparentemente satisfeito em colecionar celulares, computadores e parceiros sexuais e participando do mundo natural, ao qual originalmente pertence, no papel de mero turista em viagem a lugares exóticos, o homem da era tecnológica traz dentro de si uma angústia profunda. Uma angústia que não pode mais evitar, a partir do momento em que um inimigo da sociedade moderna, como o coronavírus, revelou o quanto a tecnologia e a economia, tão valorizadas, são na verdade vulneráveis e não oferecem garantia de presente e de futuro”.

Rogério Paiva, psiquiatra e especialista em psicologia clínica

A moda, como a conhecíamos, empenhou-se em reforçar padrões de aparência e gosto. Ela fez com que nos viciássemos em observar o outro, de nos conectarmos com nossas aparências recíprocas, constituindo-se assim um aparelho de gerar juízo estético e social. Pois tendo sido o primeiro grande dispositivo a regular aparências, estetizando e individualizando a vaidade humana, fazendo do superficial um instrumento de salvação e uma finalidade da existência, qual caminho será oferecido para uma co-existência mais saudável no mundo que virá?

“A apoteose da gratuidade estética não deixou de ter efeito nas relações mundanas entre os seres, nos gostos e nas disposições mentais, e contribuiu para forjar certos traços característicos da individualidade moderna”.

Gilles Lipovetsky, “O Império do Efêmero”

Tenho falado já há alguns meses que a moda, como indústria global e fonte criativa de narrativas comportamentais, está doente. O sistema está doente, o planeta está doente, estamos todos doentes. Culturalmente, a moda antes da pandemia, já estava tendo que correr apressada atrás de comportamentos que ela não conseguia mais mastigar, digerir e transformar em algo fácil, barato e descartável. Os movimentos de slow fashion e eco fashion são bons exemplos dessa contracorrente.

“O trabalho com crochê foi um recomeço para mim”: Anderson Figueredo, em desfile do projeto Ponto Firme, na SPFW N45 | Foto Agência Fotosite

“O trabalho com crochê foi um recomeço para mim”: Anderson Figueredo, em desfile do projeto Ponto Firme, na SPFW N45 | Foto Agência Fotosite

A moda já vinha sofrendo para diluir comportamentos originais de “subculturas” e traduzi-los para o mainstream. O quadro complicou, ou seja, a moda e o mundo foi colocado em xeque, tendo que enfrentar o divã do consumismo/capitalismo. Nesse contexto, nunca se falou tanto pra geral em práticas de autoconhecimento, agora com a pandemia, então… Ioga, meditação, budismo, aihuasca, xamanismo, astrologia… Haja lives no Instagram!

E aí, nessa busca pela cura, quanto mais você se conhece e se sente confortável com o que você é e tem, mais percebe que precisa de menos. Ao precisar de menos, a velha moda do velho mundo, acostumada somente com o excesso de produção sem propósito além da última linha da planilha, vai para a UTI, onde todo o processo de cura requer resiliência, medicação e repouso.

O tempo urge. Defendo a cura pelo respeito ao coletivo, às pessoas. Acredito que vamos precisar nos preparar para organizar uma nova ordem feita de variações mínimas, buscando o refinamento do gosto e o aguçamento da sensibilidade estética com respeito irrestrito ao planeta. Será preciso o indivíduo desprender-se das normas antigas e apreciar cada vez mais o coletivo, para aí sim conseguir afirmar um gosto mais pessoal.

Looks do estudante Fredrik Tjærandsen, que apresentou balões gigantes que esvaziam para formar vestidos na passarela / Reprodução

Tenho pensado muito na possibilidade de que o que poderá se afirmar definitivamente como relevante, urgente e necessário será o manual/artesanal, que resgatará o sentido do toque, do abraço, da emoção depois de passado esses duros tempos de isolamento social, sem beijos, carinhos e abraços, resgatando assim o real sentido de conexão.
O novo mundo pós-pandemia vai precisar humanizar todos os seus processos de construção — tenho evitado usar as palavras trabalho e produção –, mesmo quando utilizar da alta-tecnologia, para impulsionar um estilo de vida mais responsável em amplo sentido.

O caminho que já vinha se estabelecendo era de uma sociedade de híbridos e não-binários, para acolher novas formas de conectar os opostos — leve e pesado, decorativo e minimalista, masculino e feminino, jovem e idoso, artesanal e tecnológico — em um mesmo corpo. Vislumbra-se assim uma estrutura social que transforma e é transformada para fazer-se inteira novamente.

Nesse novo contexto porvir, arrisco dizer que as manualidades ganharão cada vez mais significado por serem entendidas como algo que identifica um passado comum e traz com ele sentimentos de pertencimento e continuidade. O feito à mão traz em si diferentes camadas — materiais, saberes, pessoas — para formar algo inédito.

Penso que será este entrelaçamento que vai conferir uma arquitetura inovadora à condição humana, fazendo uma interessante correlação entre a transformação material e o desenho deste novo tecido social que pode estar sendo amalgamado agora. É preciso estar atento aos sinais.

Artigo originalmente publicado no perfil de Jackson Araujo no Medium

O artigo A moda para o novo mundo foi publicado pelo FFW.

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