Os maiores influenciadores de moda e lifestyle do Brasil

O feminismo contraditório das marcas de fast fashion

Edição de imagens e montagem de Jessica Alves

Por Jéssica Alves* 

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT) diz que quase 85% do vestuário consumido no país é produzido por fábricas instaladas aqui mesmo em terras tupiniquins. Com faturamento de US$ 55,4 bilhões em 2014, o Brasil é o quarto maior produtor de roupas do mundo, gerando 1,6 milhão de empregos — 75% da mão de obra é composta de mulheres.

Desde os anos 2000 o cenário econômico privado começa a demonstrar interesse nos direitos femininos como forma de gerar lucro. Em 2010 foi criada a ONU Mulheres, financiada por empresas como Unilever, Microsoft e Coca-Cola, evidenciando esse tipo de interesse.

‘’O que pega mal pra moda (e pra qualquer outro setor, na verdade) é surfar nos movimentos sociais, que são fundamentalmente políticos, esvaziando suas lutas por meio de campanhas publicitárias que não representam, de fato, o funcionamento e a cultura da empresa.’’, diz a fundadora e editora do site Modefica, Marina Colerato. Ela ainda ressalta que isso não é um problema exclusivamente da moda, uma vez que o modelo industrial contemporâneo permite que haja espaço para a sustentação da exploração em diversas áreas..

O que acontece na indústria hoje é que o discurso feminista muitas vezes é vazio e não se sustenta. As grandes marcas de fast fashion (pode acontecer também em pequenas empresas, marcas de luxo, ninguém está a salvo disso) imprimem em suas peças muitas estampas em apoio ao movimento feminista, mas enquanto isso no chão das fábricas exploram a mão de obra feminina. De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), quase 21 milhões de pessoas no mundo estão expostas a trabalhos forçados. Das vítimas, 11,5 milhões são mulheres.

“As mulheres representam aproximadamente 75% da mão de obra do setor, mas estas mulheres estão na ponta e ainda pouco sabemos das reais condições de trabalho que estão submetidas, então para tratarmos de sustentabilidade de uma forma efetiva, devemos olhar para elas e potencializar as oportunidades para as mesmas.”, explica a diretora executiva do movimento Fashion Revolution, Fernanda Simon.

“O Fashion Revolution acredita que o primeiro passo é perguntar #QuemFezMinhasRoupas para assim iniciar uma aproximação com as trabalhadoras e reconectar o elo que foi perdido. Saber quem está por trás e em quais condições é essencial para avançarmos na construção de um cenário mais justo e igualitário.”, conclui Fernanda.

A co-fundadora da marca Sislla, Daiana Pellin, diz que enxerga essa ‘’moda feminista’’ como algo bom, que traz esclarecimento e conhecimento para as pessoas, contribuindo com a esperança de um futuro melhor. Se antes uma mulher não sabia o que era um relacionamento abusivo, hoje ela sabe e abre os olhos para essa questão. Mesmo quem não gosta da militância, reconhece que hoje existe uma vez forte e ela não vai se contentar em apenas falar sem que ninguém ouça. ‘’A internet e essa revolução de pensamentos nos proporciona fazer barulho e esse barulho chega até as mulheres que precisam e, acredito muito, que em longo prazo isso vá fazer muita diferença. Também sou mãe de um menino e me vejo responsável não só como empreendedora, mas como mãe, de revolucionar o modo pensamos sobre os direitos, deveres e modo de vida da mulher’’, conta.

‘’Você não consegue espremer custos sem afetar as pessoas. Até mesmo as fábricas melhores regulamentadas, sofrem com a pressão de produzir por valores pífios. Uma prova bastante palpável que se a gente não organizar a economia e sociedade sobre outra ideologia que não a capitalista, a gente vai seguir falando de feminismo para uma parcela bem pequena da sociedade, transformando o movimento em commodity, esvaziando ele de seu significado para garantir a ordem vigente e fazendo campanhas bonitas. Precisamos entender que o feminismo só será para todas quando este conseguir abalar os modos de produção e ameaçar, de fato, a hegemonia dos detentores de capital: homens, brancos’’, diz Marina.

Para Nina Braga, diretora do Instituto E, é imprescindível que esse conhecimento seja difundido dentro das universidades, para que os futuros designers possam contribuir com a moda mais justa, além de ressignificar o conceito de moda sustentável.

Segundo a carioca, está na hora de mudarmos nossos paradigmas. ‘’O que é belo para você? ’’, ela questiona e em seguida diz que não consegue achar belo algo que é altamente poluente e feito com trabalho escravo.

‘’Se tem sangue, se tem suor e exaustão não é nada belo. A estética precisa andar junto com a ética senão deixa de ser belo. A questão do designer é essa, perceber e se apropriar disso no bom sentido e então desenvolver peças que façam com que esse objeto se torne desejável do ponto de vista ético e estético’’, afirma a psicóloga, pós-graduada em Antropologia Social pela UFRJ.

A jornalista e dona da marca de camisetas bordadas Giu Couture, Giuliana Mesquita, acredita que as marcas independentes são a força do feminismo. ‘’Por mais que as grandes marcas estejam querendo se apropriar, quem está ligado compra das marcas pequenas. Eu acho que se uma pessoa deixar de comprar no fast fashion para comprar uma camiseta minha, já fiz a diferença. A gente faz a diferença no micro para depois fazer no macro’’, afirma a jornalista que antes só comprava em fast fashion e agora mudou a forma de consumir moda.

Giuliana acha que o preço ainda influencia muito na escolha dos consumidores pelas fast fashion na hora de fazer compras. Ela diz que muitas pessoas nem perguntam o preço das camisetas pois acham que vai custar muito caro por ser feito de forma artesanal. ‘’Muita gente acha oitenta reais numa camiseta caro, mas quem sabe da exploração que acontece nas grandes redes costuma juntar seu dinheirinho e comprar depois’’, explica.

Para Jackson Araújo, diretor criativo da plataforma Trama Afetiva, essas ações superficiais das marcas que dizem apoiar o feminismo podem ser comparadas ao greenwashing que é quando se faz uso do marketing para dizer que um produto ou serviço é eco-friendly, quando ele não é, “a injustificada apropriação de virtudes ambientalistas por parte de organizações (empresas, governos, etc.) ou pessoas, mediante o uso de técnicas de marketing e relações públicas”. O diretor criativo diz que as mulheres estão muito mais aptas a responder esse questionamento, pois é delas esse lugar de fala. Porém como analista de comportamento de consumo, ele faz algumas considerações.

‘’Poderíamos atualizar essa definição para “a injustificada apropriação de discursos feministas por parte de marcas mediante o uso de técnicas de marketing e relações públicas”, deixando bem claro que esse esvaziamento de discurso é um viés que a nova moda não aceita mais.’’, diz.

‘’A nova moda pede engajamento verdadeiro em todas as questões socioambientais; ela é sobre pessoas e não mais somente sobre roupas. Sobre como podemos provocar as mudanças, acredito que o poder está nas mãos das consumidoras, que podem desde não comprar mais dessas marcas até utilizar esses lançamentos equivocados como material educativo para ações estruturantes que coloquem a mulher no espaço de poder e de decisão.’’, finaliza Araújo.

Seguindo a mesma linha de pensamento de Jackson, Marina Colerato complementa dizendo que as empresas estão aprendendo com muita dificuldade que não podem vender um discurso vazio, explorando uma causa.

‘’Ainda vamos ver muito “socialwashing”, “greenwashing” e “feministwashing”. O papel de quem está dentro das empresas é entender que isso não pode acontecer. Se eu quero falar de feminismo na campanha, eu preciso garantir equidade de gênero e dignidade para as mulheres na minha rede produtiva, mesmo que elas não estejam em escritórios luxuosos em Nova York, e sim em fábricas no Sri Lanka. O papel de quem está do lado de fora é descobrir se aquela “camiseta feminista” foi produzida de modo condizente com a mensagem que almeja passar.’’

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O artigo O feminismo contraditório das marcas de fast fashion foi publicado pelo FFW.

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