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Wilmore

O Wilmore saiu da zona norte do Rio de Janeiro e foi até Nova York para conseguir o seu Converse Chuck 70. Quem levou o Will por todo esse caminho? A fotografia!
Ele é um grande amigo e fotógrafo do Marcelo D2. Sua escolha em comprar o Converse Chuck 70 azul foi inspirada em alguém com uma vida parecida: Ricky Powell, o fotógrafo que já acompanhou bandas como Beastie Boys e RUN-D.M.C
FOTOS POR JULIO NERY

“Eu me chamo Wilmore né, todo mundo me chama de “Will” porque é mais fácil, “Wilmore” é complicado mesmo. Tenho 30 anos e sou fotógrafo há praticamente 10 anos, mas estou profissionalmente vivendo única e exclusivamente da fotografia desde 2013.

Nasci na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas sou filho de imigrantes. Minha mãe é baiana e meu pai era baiano também, ele faleceu há 10 anos atrás. Mas eles tem aquela história comum de brasileiro nordestino, sabe? Sai da cidade natal, vai tentar a vida em uma cidade de maior para poder conseguir ter uma vida melhor. Não que seja tão ruim assim a vida lá no Nordeste, mas é uma questão social assim, sair daquela coisa, não ser mais do mesmo na cidade sabe? E cara, eu tenho uma paixão imensa pela Zona Norte do Rio de Janeiro, porque é onde eu fui nascido e criado. Lá eu aprendi tudo na minha vida, é real, o subúrbio do Rio de Janeiro é um outro Rio de Janeiro, é total diferente da zona sul que é mostrada em novela ou em filme, é outra realidade.”

Como a cidade e a sua vida no Rio de Janeiro te influência na fotografia?

Eu nasci e cresci no Jacaré, que é uns dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro, é uma realidade realmente muito pesada. Morei lá muito tempo real inserido na comunidade e depois a gente foi saindo aos pouco, se afastando mais porque, claro, as coisas foram melhorando e você não quer viver no meio de uma violência. É realmente uma guerra, ninguém quer isso para vida, ficar vendo aquela coisa todos os dias. Existem pessoas que convivem com isso porque é a realidade que tem, mas minha mãe e pai sempre batalharam muito para que a gente não vivesse tudo aquilo, até porque eles já não eram satisfeitos em morar lá – são várias coisas ruins que acontecem, coisas boas claro, mas muita coisa ruim. Então para o desenvolvimento de um filho é foda né?

Meu pai era motorista de caminhão da Companhia Estadual de Gás do Rio de Janeiro e a minha mãe era manicure. Quando eu era pré-adolescente e tal, a minha mãe fez um curso de cabeleireira, se tornou uma, e ficou trabalhando como manicure e cabeleireira. Hoje ela é só cabeleireira, não trabalha mais com manicure. Enfim, eu vivi essa loucura dos anos 90 no Rio de Janeiro, que claro, todos os lugares do Brasil tem violência, mas o Rio de Janeiro é uma coisa bem peculiar.

Por essa realidade que eu já tive, eu sempre tento conversar com pessoas que viveram ou vivem na mesma realidade que eu e inserir meu trabalho ali – meu trabalho é muito mais a conversa do que realmente a foto em si. Meu último processo é a fotografia, sempre vem primeiro a observação, sentir o espaço de o que eu posso e até onde eu posso ir, pisar. Eu prefiro que as pessoas vão se soltando até realmente eu tenha essa liberdade de fotografá-las.

Como você conheceu e se interessou pela fotografia?

Desde muito novo eu já fotografava meus amigos na escola. Minha mãe tinha uma dessas câmeras analógica Yashica que só tem um flash, todo mundo tinha uma dessas. Eu pegava a câmera escondido dela, levava para escola e fazia foto dos meus amigos e depois eu colocava no mesmo lugar, ela nem percebia.

Em 2009, depois que o meu pai já tinha morrido, eu comecei a utilizar mais esse olhar fotográfico. Não teve um estalo, eu já gostava. Eu tinha o costume de pegar a câmera e ficar treinando, não era tipo “ah quero aprender o que é o ISO, o que que é fotometrar”, eu não me preocupava com isso mas sim de fazer quadros diferenciados, ter uma foto de sei lá, uma planta. Eu fazia muitas fotos assim, vagas, eu não tinha uma especialidade.

Um dia, eu comecei a trabalhar com um grupo de rap do Rio de Janeiro, o Cartel Mcs. Eu administrava a página do grupo de rap que eu gostava, e decidi ajudar os caras. Cheguei neles e falei “vocês não precisam de ninguém para soltar umas fotos de vez em quando e postar algumas coisas?” e eles toparam. Eu fui ficando brother dos caras, ia sempre nas rodas de rima, e comecei a me envolver com a galera da rua. Fui trabalhando até que um dia o produtor deles, que já tinha feito uns trabalhos de filmagem e foto, falou “cara, quer fazer uns vídeos e fotos do show? Eu vi que tu gosta de fotografar”, e aí topei na hora. Ele deixou comigo uma câmera semi-profissional num show, eu fiquei mexendo nela, aprendi algumas coisas que eu precisava e filmei o show. Ele viu, curtiu o resultado e falou “Você fez umas coisas bem interessantes, e se você fizer sempre isso nos shows? A gente vai no show, te dou um dinheirinho, tu me ajuda fazendo isso e aí tu vai melhorando.”

Eu fui trabalhando com eles e aí isso acarretou toda essa bola de neve que é hoje minha vida – ele me passou a câmera com lente e com flash e falou “Toma, investe. Faz disso aqui tua vida, tu gosta disso, isso aqui um dia vai te trazer coisas bem interessantes”. E foi aí que eu engoli de vez a câmera. Eu lia manual, tentava aprender de todos os jeitos, como que configurava e etc. Eu tinha aquele orgulho de “Pô, não posso usar no automático. Eu tô com uma câmera profissional na minha mão, tenho que mexer nisso aqui de verdade”. Eu nunca fiz curso, nunca estudei, nunca nada, eu aprendi tudo sozinho.

A GENTE REALMENTE ESTREITOU O LAÇO DE AMIZADE, É UMA AMIZADE MUITO MANEIRA E HOJE MEIO QUE UM REALMENTE DEPENDE DO OUTRO, A GENTE TRABALHA JUNTOS JÁ HÁ 5 ANOS, É MUITO TEMPO. JÁ VIAJEI PRA VÁRIOS PAÍSES E ESTADOS COM ELE E É FODA CARA, PORQUE É UM ÍDOLO QUE PASSOU A SER MEU AMIGO NÉ, PARA MIM FOI UMA REALIDADE QUE EU DEMOREI UM TEMPO PARA ME ACOSTUMAR.

Qual foi o seu primeiro contato com o Marcelo D2?

Foi muito louco. Eu já estava trabalhando com fotografia, eu estava com a I Hate Flash. Tava rolando uma gravação de DVD do Rock in Rio, eu tive que fazer as fotos dentro do estúdio com os cantores. Isso era pra uma matéria da Vice que estava já uns três meses rolando e uma das pessoas entrevistadas era o D2, eu não consegui de jeito nenhum fazer uma foto dele, e nesse dia ele estava! Calhou de eu conseguir fazer um retrato dele, rapidinho. O retrato dele ficou uma merda, ele parou debaixo de uma luz estranha com um chapéu e ficou com a sombra na cara. E cara, foi uma merda porque eu fiquei num desânimo fudido, pensei “caralho a foto principal e ficou desse jeito”. Na hora também eu fiquei nervoso mano, eu não soube direcionar ele…Ele estava com pressa, sabe? Misturou muita coisa.

Quando a matéria saiu eu postei essa foto no Instagram – isso em 2014, por aí – e ele começou a me seguir! Foi a maior doideira, eu pensava “caralho o D2 está me seguindo!”, era surreal pra mim. Só que ele não curtia e nem comentava nas fotos, mas ele estava lá, eu sempre eu abria lá a lista de seguidores e estava lá ele me seguindo (risos). Uns seis meses depois que ele tava me seguindo eu recebi uma mensagem do nada: “Fala Will, tudo certo? Marcelo D2 aqui”. Eu fiquei em choque! Eu falei “Porra fudeu, o que eu respondo? Não sei o que que eu respondo”. Era de tarde, eu nem esperava, não esperava mesmo. Aí ele quis marcar uma reunião comigo falou: “Achei interessante seu trabalho, queria trocar umas ideias contigo, eu estou sem fotógrafo e tal”. Ai eu “Caralho!”, pensei “Será que é isso mesmo? Será que é isso?”. Rolou essa conversa e desde então a gente nunca mais parou de trabalhar juntos. Ele veio com a intenção de fechar um valor comigo pela quantidade de shows, eu trabalho com eles por show.

Eu e o Marcelo fizemos uma amizade muito grande por questões de proximidade da vida,  a gente tem uma vida muito parecida – somos da zona norte do Rio, subúrbio, ele também é  filho de nordestino, de pais que moravam em favela e passaram sufoco diariamente. Me lembro até hoje dele falando para mim “eu me vejo muito em você”. A gente realmente estreitou o laço de amizade, é uma amizade muito maneira e hoje meio que um realmente depende do outro, a gente trabalha juntos já há 5 anos, é muito tempo. Já viajei pra vários países e estados com ele e é foda cara, porque é um ídolo que passou a ser meu amigo né, para mim foi uma realidade que eu demorei um tempo para me acostumar. Eu acesso a casa do cara, sabe? Ter essa intimidade de ver o quarto dele, a família dele. Eu ouvia Planet Hemp quando eu era moleque na fita cassete. Então era surreal… eu não acreditava e ficava “Por que eu mereço isso? O que que eu fiz para merecer isso? Será que eu realmente sou bom?” Eu ficava duvidando da minha potência de trabalho, sabe?

A gente tem esse hábito de às vezes não levar muita fé no que a gente faz. Demorou um pouco para cair a ficha, mas hoje em dia somos unha e dedo real, a gente não consegue ficar longe sem se falar. Às vezes a gente fica longe, mas a maior parte do tempo é juntos, em shows, viagens, temos várias histórias. Com certeza já dá para escrever um livro de toda essa história (risos).

Com ele eu tenho uma liberdade muito grande de ficar com a câmera na hora que eu quiser… ele não fica naquela coisa de “vou me arrumar”, sabe? Se ele estiver acordando, de samba-canção, ele tá tranquilo com a minha presença ali. Ele sabe que eu fotografo até de um jeito que ele não se sinta intimidado, sabe? Não fica uma coisa forçada, é muito mais natural. Então, isso aí a gente foi se acostumando com esse tempo e até hoje funciona muito bem então a quantidade de coisas que eu tenho registrado se já dá para contar muita história interessante.

EU TENHO MEU COMPROMISSO COM RIO DE JANEIRO QUE É FAZER UMA EXPOSIÇÃO DO MEU TRABALHO DE RUA. VAI ROLAR PELO MENOS ESSE ANO OU INÍCIO DO ANO QUE VEM, MAS É UM OBJETIVO QUE EU TENHO DE CUMPRIR, É UM COMPROMISSO.

Além de seu trabalho como fotógrafo com ele, você faz muita fotografia na rua. De onde surgiu o seu interesse de registrar a rua?

Lembro que quando eu era bem moleque, eu peguei acho que foi uma revista Vice, era gratuita, e lá tinha muita foto na rua, de fotógrafos que tiravam fotos de pessoas na rua, mas em momentos espontâneos, pessoas andando e que olhavam para foto. E aquilo ali cara me chamou muita atenção e pensei: “pô, eu quero fotografar isso, acho muito foda”. Eu gosto de conversar, de me comunicar – eu achava interessante trocar ideia com algumas pessoas do meu bairro que eram os caras “figuras” do bairro, sabe? Os doidões do Bairro.

E aí eu fui juntando isso, tendo interesse de fotografar as coisas da rua, juntar o meu trabalho para ser o mais louco possível, até que juntou tudo. Acho que não tem como falar que hoje meu estilo não é rua, sabe? Quando eu estou chateado, ou quando quero me expressar de alguma forma, eu vou pra rua, levo a câmera e saio andando sem rumo. No meio desse caminho eu vou encontrar uma história, eu vou trocar ideia com alguém, se eu vejo alguém interessante eu paro e começo a conversar com ela.

Eu era péssimo aluno, péssimo em matemática, química, física – exatas, né? Mas eu gostava de história, português, e principalmente de redação. Eu gostava de escrever, de contar histórias maneiras e acabou que eu consegui juntar as histórias das pessoas que eu fotografava, ou então do momento, falar a sensação do momento que eu sentia, com a foto. Eu era muito tímido e essa questão foi resolvida graças a isso, eu queria muito fazer foto de pessoas mas eu tinha vergonha de chegar perto delas. Mas aí eu fui quebrando essas barreiras e experimentando de fotografar uma pessoa muito próxima, e ver se ela vai ver ou não, se ela vai ficar chateada ou não. No Rio de Janeiro as pessoas têm medo de quando outras pessoas chegam perto, cada lugar é um lugar, mas no Rio não é fácil. Eu passei por esse teste logo pelo Rio de Janeiro, então foi interessante. Foi um processo de auto-crescimento. Eu parei para me conhecer, ver meus próprios limites, até onde eu posso chegar e até onde eu quero chegar.

Eu tenho meu compromisso com Rio de Janeiro que é fazer uma exposição do meu trabalho de rua. Vai rolar pelo menos esse ano ou início do ano que vem, mas é um objetivo que eu tenho de cumprir, é um compromisso. Acho que eu não sai do Rio ainda porque eu tenho que entregar esse trampo para a cidade, é um jeito de agradecer tudo que o Rio me proporcionou.

EU QUIS COMPRAR O AZUL, NÃO PARA COPIAR, NEM É MINHA INTENÇÃO, MAS POR TER MUITO SIGNIFICADO. O AZUL É A HISTÓRIA DO RICKY POWELL, QUE É UM CARA QUE ME INFLUENCIOU DEMAIS, E ME INFLUENCIOU COM O MEU TRABALHO TAMBÉM.

E agora falando sobre o seu tênis, por que você escolheu o Converse Chuck 70 para o Kickstory?

Pelo pouco que eu sei, a cultura sneakerhead é uma herança do estilo de rua. É o estilo que você veste para mostrar sua personalidade, tem todo um envolvimento. Eu não sou um cara apegado a bens materiais, então eu sempre fui muito de usar um tênis para sujar e fazer tudo. E sempre tive o hábito de ter algum Converse que desse para usar com qualquer roupa. Na época que eu era criança, eu tive um Converse vermelho; quando eu era adolescente eu tive um All Star verde – eu era o único moleque da minha escola que tinha um desse.

Tem um fotógrafo de rua de Nova York que eu gostava muito, gostava não, gosto né, que é o Ricky Powell, ele era amigo do Keith HaringAndy Warhol, ele conseguiu registrar toda essa cena. Ele viajava com Beastie Boys, ele registrou o Run-D.M.C. uma certa época. Um dia tive a oportunidade de trocar uma ideia e ele é realmente bem true, cara original e bem maluco de lua. E ele tem uma coisa de só usar azul – calça azul, tênis azul e enfim – ele sempre tem pelo menos uma peça de roupa azul e ele usava muito esse Converse 70. E aí eu via umas fotos dele, mostrando o Converse dele e eu ficava “mano é muito foda isso, eu queria ter um assim”. Quando eu decidi comprar um igual, vi que não tinha no Brasil, eu não sabia quando eu ia para fora do país. Mas depois tive a oportunidade de ir para Nova York pela primeira vez, e aí uma das primeiras coisas que fiz quando cheguei lá foi juntar dinheiro para comprar o Converse. Consegui e comprei. Usei muito ele lá e uso até hoje.

Eu quis comprar o azul, não para copiar, nem é minha intenção, mas por ter muito significado. O azul é a história do Ricky Powell, que é um cara que me influenciou demais, e me influenciou com o meu trabalho também. Alguns meses depois que comprei, lançou aqui o Chuck 70, eu fiz umas fotos do evento de lançamento. Ele realmente é um favorito que tenho, é tênis que me traz várias lembranças.

Converse Chuck 70
Comprado: 2018
Dono: Wilmore Oliveira
Fotos por: Julio Nery

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